12/10/2011

Roberto Marinho, o Steve Jobs brasileiro, um homem visionário


Roberto Marinho seguiu o desejo de infância e tornou-se jornalista como o pai, Irineu Marinho. Em 1925, com a morte de Irineu, herdou o jornal O Globo, mas levou seis anos para assumir a direção do diário. Foi campeão de hipismo seis vezes nos anos 40 e praticava caça submarina. Numa montaria, conheceu Stella, sua primeira mulher. Em 1944, inaugurou a Rádio Globo. Em 1965, criou a TV Globo sem o apoio dos irmãos com então 60 anos de vida. Teve quatro filhos e perdeu um deles, Paulo Roberto, num acidente de carro. Em 1971, separou-se de Stella, mas não ficou muito tempo sozinho.

Eles foram apresentados num coquetel na representação de Portugal no Rio em 1971. Dois meses depois, reencontraram-se num jantar. “Vou lhe apresentar Ruth Albuquerque”, disse uma amiga em comum. “Muito prazer”, cumprimentou Roberto, com os olhos brilhando. “Já vi que não sou seu tipo inesquecível, pois já fomos apresentados”, brincou Ruth. Desta vez, Roberto não esqueceria. Bastaram 48 horas para ele provocar um novo encontro. “É o Roberto Marinho”, identificou-se ao ligar para Ruth. Ela não acreditou. “E como você descobriu o meu telefone?”, indagou, perplexa. “Jornalista descobre tudo.” Pouco tempo depois, ela incorporaria o sobrenome Marinho e se mudaria para a mansão no Cosme Velho. Em comum, tinham o gosto por política e história. “Roberto era um homem elegante e de uma profunda delicadeza”, diz Ruth. Certa vez, durante um almoço em casa, armou uma surpresa para a mulher. Apaixonada por bichos, Ruth foi surpreendida ao encontrar no jardim três filhotes de tigre pertencentes a um circo que estava na cidade.

Na vida pessoal tudo ia bem, mas o momento profissional era difícil. Naquele ano, Marinho se desfez da parceria com o grupo Time-Life, que viabilizou a criação da Tevê Globo. A fim de evitar futuros problemas, ele encerrou o contrato com o grupo americano, que havia investido US$ 25 milhões em instalações e equipamentos na emissora. O desfecho foi reflexo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional criada após denúncia do ex-governador Carlos Lacerda, apoiada por Assis Chateubriand, dono dos Diários Associados. Eles diziam que a Globo infringira o artigo 160 da Constituição de 1946, que proibia a participação acionária de estrangeiros em empresas de comunicação. A CPI concluiu que o acordo de fato era ilegal, embora não tivesse efeito retroativo.

Para encerrar a dívida com os americanos, Roberto Marinho empenhou todos seus bens, entre eles sua mansão, uma casa na Gávea, terrenos e salas. Apesar da campanha articulada por Chateaubriand, a Globo não parava de crescer. Para fazer de sua tevê a líder no setor, Marinho havia contratado em 1966, da TV Rio, Walter Clark, na época o mais competente executivo da tevê. Dois anos depois, juntou-se a ele José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Os dois inaugurariam o famoso “padrão Globo de qualidade” nas novelas e em outras produções. Logo a emissora desbancou os concorrentes e se tornou líder de audiência.

O êxito rapidamente alcançado pela Globo nos anos 60 e 70 suscitou suspeitas de que o governo militar ajudou Roberto a construir seu império. “O Globo apoiou a ação construtiva dos governos militares e fez questão de não obter favores, inclusive a concessão de canais, o que não seria favor. Durante esse tempo, para formar a rede, compramos de particulares e de empresários em dificuldades os outros canais de televisão que possuímos”, afirmou Roberto Marinho, tempos depois, à Folha de S. Paulo. Embora tenha apoiado o golpe militar de 1964, por considerar o melhor caminho para deter as radicalizações da esquerda, o jornalista jamais se curvou a atos em prol da censura. Em 1965, no governo do general Castello Branco, foi convocado pelo ministro da Justiça, Juracy Magalhães, junto com outros donos de jornais, após a decretação do AI-5. Diante da ordem para que entregassem a cabeça dos comunistas das redações, Roberto foi o único a se revoltar contra a medida. “O senhor cuida dos seus comunistas. Dos meus, cuido eu.” Costumava dizer também que não se fazia um bom jornal sem redatores comunistas.

A preocupação com o futuro do País se materializou na criação, em 1977, da Fundação Roberto Marinho. A instituição, que contribui com projetos educacionais e de preservação do patrimônio histórico, era o grande orgulho do jornalista. Oito anos depois, sua faceta aventurou-se no Exterior. Aos 81 anos, Roberto fez uma parceria com a RAI, tevê estatal italiana, e através da compra da TV Internazionale, adquiriu a Telemontercalo. O negócio, no entanto, não deu certo por questões administrativas e foi desfeito em 1994. O prejuízoestimado foi de US$ 300 milhões.


A idade avançada, como sua trajetória deixa claro, jamais foi empecilho. Em 1989, com 85 anos, já separado de Ruth, viveu nova e intensa paixão. Ao reencontrar num jantar Lily de Carvalho, quase 50 anos após conhecer a miss França de 1938, sentiu reacender uma antiga chama. Desta vez, o romance engrenou pois Lily estava desimpedida – era viúva do empresário Horácio de Carvalho. O casamento, realizado dois anos depois, marcou a união de duas pessoas que tinham muito em comum. Assim como o gosto pelas artes, o casal compartilhava um capítulo triste em suas histórias. Roberto e Lily dividiam a dor da perda de um filho de forma trágica. “No início, era aquela paixão. Depois, se transformou num amor sólido. E continua tão forte como no tempo em que namorávamos”, contou ela em entrevista à Gente em 2000.

Em 1993, ganhou o reconhecimento do mundo das letras. Inicialmente resistente à idéia de ingressar na Academia Brasileira de Letras, por considerar ser “exclusivamente um jornalista que se habituou a uma comunicação cotidiana com o leitor”, acabou concordando com sua candidatura e foi eleito para a cadeira 39. Apesar de lúcido e em excelente forma física, gradativamente transferiu o comando das Organizações Globo aos filhos nos anos 90. Ao mesmo tempo, expandiu os negócios, com a inauguração do Projac, o mais moderno centro de produção da América Latina, o lançamento de uma emissora a cabo, do jornal Extra, da Globo Filmes e da revista Época.


“Não sei se eu sou conseqüência das minhas qualidades ou dos meus defeitos. As minhas qualidades são conhecidas por poucas pessoas que convivem comigo. Os meus defeitos são apontados por muitas pessoas que me desconhecem. Não sei se devo preferir o conceito das pessoas que me desconhecem ou daquelas que convivem comigo”, dizia ele. Todos, no entanto, concordam num ponto. Ao morrer, aos 98 anos, no dia 6 de agosto de 2003, vítima de um edema pulmonar, Roberto Marinho não deixou apenas empresas com faturamento anual de US$ 5,7 bilhões e um império de comunicações. Legou também a certeza de que é vitorioso quem acredita nos próprios sonhos.



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