O Brasil escolherá neste domingo o sucessor de Lula, entre a candidata Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). Quando o futuro presidente subir a rampa do Palácio do Planalto assumirá um País com uma situação econômica favorável. No quadro, despontam o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no maior ritmo dos últimos 24 anos, com previsão de 7,1% de alta em 2010, geração de emprego recorde e milhões de pessoas ascendendo socialmente. No entanto, quando analisadas as contas públicas, o novo presidente deve se deparar com alguns desafios. O principal deles: cortar os crescentes gastos com o custeio da máquina do Estado.
“O que chamo de ajuste fiscal passa pela sinalização crível, por parte do governo, de que os gastos públicos como proporção do PIB não terão trajetória altista e de que os investimentos públicos terão mais espaço na composição dos gastos em relação às rubricas discricionárias”, diz o economista Octavio de Barros, diretor de Pesquisas Econômicas do Bradesco.
As despesas discricionárias as quais Barros se refere são os gastos que só podem ser realizados em caso de disponibilidade de recursos no Orçamento. Hoje, elas correspondem a cerca de 10% do total. A grande maioria são despesas obrigatórias que, por sua vez, devem ser pagas pelo governo e não podem ser adiadas. “Parte considerável da estrutura de gastos do governo é engessada”, completa.
Com pouca mobilidade para cortar gastos, o governo deve concentrar seu esforço na redução das despesas de custeios, em especial, com a redução de cargos comissionados. É o que defende Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. “Além disso, há a questão da Previdência pública que não para de aumentar o rombo, mesmo com aumento dos empregos formais que contribuíram para ligeira redução nos últimos meses.”
Segundo projeções do Ministério da Fazenda, os gastos com pessoal devem encerrar 2010 em 4,66% do PIB, após chegar a 4,83% em 2009 – o maior nível desde 1995. Para 2011, espera o governo, as despesas devem ficar em 4,67% do PIB.
Investimentos
Na avaliação dos especialistas, o corte nos gastos com o custeio da máquina pública será fundamental para garantir ao País níveis maiores de investimentos em áreas mais importantes da economia. “Há espaço para melhorarmos a composição dos gastos, de modo que o setor público tenha mais recursos disponíveis para investimentos em infraestrutura e educação, cujos impactos geram ganhos de longo prazo em termos de potencial de crescimento da economia”, afirma Octavio de Barros.
Alex Agostini diz que a questão fiscal “é inevitável em termos de necessidade de investimentos para os eventos que ocorrerão”, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, principalmente nas questões sobre transporte. “Porém, certamente vão ser tomadas medidas paliativas, visto que o governo crê que o crescimento vigoroso resolverá o problema fiscal”, completa.
Embora haja consenso entre os especialistas sobre a necessidade de cortes de gastos, o futuro presidente do Brasil não deverá enfrentar muitos problemas com relação à política fiscal. Acredita-se que, nem de longe, o sucessor de Luiz Inácio Lula da Silva precisará reeditar as medidas que o atual presidente teve em seu primeiro ano de mandato, quando a ordem era apertar o cinto.
“Não há incentivos claros para mudança nos gastos do governo”, diz o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Kanczuk. “Existia a possibilidade de um ciclo político de orçamento, com aperto nos primeiros anos de mandato para gastar bastante no fim. Lula precisou fazer isso, porque existiam ameaças de calote e ele foi forçado a fazer um ajuste fiscal. No novo governo não existe essa pressão.”
Arrecadação
O quadro mais favorável tem uma responsável: a crescente arrecadação federal com impostos, que já acumula um ano de recordes consecutivos. “Mesmo que aumentem o salário mínimo e não subam a alíquota de imposto, a receita do governo vai subir, porque há um aumento da formalidade na economia”, diz Kanczuk. “A formalização vai fazer entrar bastante dinheiro no cofre”, completa.
Nem mesmo o desaquecimento da economia previsto para 2011 deverá mudar esse quadro. “Esse crescimento menor não deverá ter impacto fiscal se o governo mantiver estáveis seus gastos, mas, se aumentarem, aí sim a situação fica crítica”, afirma Alex Agostini. Nas projeções do Departamento de Economia do Bradesco, as receitas do governo devem crescer 5% no primeiro ano do mandato do novo presidente, enquanto as despesas primárias devem subir 4,7%.
“Seria uma surpresa se o novo governo enfrentasse um problema fiscal nos próximos quatro anos. Não vejo possibilidade de faltar dinheiro para pagar dívida”, diz Fábio Kanczuk. “Uma coisa distinta é reduzir o tamanho do Estado para a economia crescer mais, mas não vejo chance nenhuma de isso acontecer.”
Segundo o Ministério da Fazenda, a economia brasileira deverá ter déficit nominal zero a partir de 2014 – neste ano, a estimativa é de um saldo negativo de 3,3% do PIB –, caso mantenha os níveis de superávit primário (a economia que é feita para o pagamento de juros) em 3,3% do PIB nos próximos quatro anos. “Os benefícios diretos dessa melhoria da situação fiscal surgem na redução das taxas de juros e na melhor necessidade de financiamento do setor público”, diz o Ministério, em relatório Economia Brasileira em Perspectiva, divulgado no fim de outubro.
Com a perspectiva de crescimento econômico e uma possível queda de juros, o governo espera que, em 2014 – ano do encerramento do mandato do novo presidente – a dívida pública atinja o menor nível dos últimos 26 anos, chegando a 27,8% do PIB. Em 2002, o montante era de 60,6% do PIB, recuando para 39,6% neste ano.
Carga tributária
Com perspectivas de arrecadação em alta, o futuro governo não deverá elevar a carga tributária nos primeiros anos de mandato. “Eu acho que até tem espaço para aumento de imposto, mas não deve acontecer, porque gera perda de capital político”, diz o professor Fábio Kanczuk.
Para Octavio de Barros, embora a carga tributária brasileira esteja em níveis elevados, ela não é uma das mais pesadas do mundo. O economista do Bradesco concorda que o espaço – inclusive político - para aumento de impostos é “bastante reduzido”.
“Poderíamos sim ter alguma elevação da carga com medidas como a unificação do ICMS, mas isso só ocorreria em um primeiro momento, abrindo espaço para redução da carga no momento subsequente”, completa.
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