Nunca antes foi tão vertiginosa a queda em desgraça de um político acusado de multiplicar seu patrimônio à base de consultorias. Em bom português, acusado de enriquecimento ilícito por tráfico de influência. Palocci virou o pepino de Dilma. Suspeito de contaminar fatalmente o governo, ele foi abandonado por todos os partidos como se fosse portador da bactéria Escherichia coli. O que leva a crer que o alvo não seja ele, mas a presidente e seu estilo. O espetáculo de uma Dilma acuada por inimigos e aliados é constrangedor.
Não se pretende aqui defender ninguém que, até o fechamento desta coluna, se mantinha mudo. O silêncio costuma ser associado a culpa, arrogância e certeza de impunidade. Não seria nada apropriado defender Palocci com o argumento de que os R$ 20 milhões ao menos foram declarados à Receita – enquanto a multiplicação do patrimônio dos políticos à nossa custa costuma estar oculta em cofres domésticos ou no exterior.
Pior ainda seria imitar Lula. Para defender os mensaleiros, o PT, Sarney & Cia. de todos os processos por desvios de ética e de verba pública, a lenga-lenga de Lula era: “Todo mundo sempre fez assim no Brasil”. No caso de seu braço direito maranhense no Senado, a defesa era mais prosaica: “Sarney não é um homem comum”. Por isso, deveria ser poupado e blindado. Aliados e adversários eram doidos para tascar um naco da popularidade de Lula. Era o presidente teflon. Nada grudava nele.
Dilma é uma daquelas frigideiras em que tudo pega. O que incomoda no affaire Palocci é ver todos irmanados no exercício de jogar pedras – e não convencem ninguém no papel de vestais da ética. Os políticos do PMDB, do PT e do PSDB se esqueceram até de acusar a mídia de tentar derrubar o chefe da Casa Civil. No governo Lula, os jornalistas eram sempre uns irresponsáveis por divulgar verdades incômodas.
Agora, o ex-governador do Rio de Janeiro, Garotinho, do alto de sua reputação ilibada, exige que “o diamante de R$ 20 milhões” explique a origem de sua fortuna. A senadora petista Gleisi Hoffmann, mulher do ministro Paulo Bernardo, um dos nomes cotados para substituir Palocci, recomenda – sem interesse pessoal, é claro – que o chefe da Casa Civil se afaste. O PT lava as mãos e tenta dizer à nação que a crise “é do governo, não do partido”. O PMDB, na figura do vice Michel Temer, se excita por enfim se sentir em condições de negociar os cargos que a presidente adiava. Está na hora de dar o troco por estes seis meses em que a dupla Dilma-Palocci o ignorou.
Faz parte da democracia o embate entre os Três Poderes. Seria ingênuo, porém, imaginar que o Congresso defenda interesses da população ao se escandalizar com o patrimônio de Palocci. A mudança, no Planalto, de um líder populista e carismático para uma técnica de poucos sorrisos foi traumática para um Legislativo acostumado a reverências.
É preciso ter estômago e jogo de cintura para a política palaciana. Dilma pode ter descoberto que não foi talhada para isso. Imaginou que o cargo em si lhe conferia autoridade. Não basta. Ela não tem ascendência sobre sindicalistas, coronéis, caciques e cobras-corais. Lula sabia disso. Dilma convocou outro pragmático para dividir o poder. Nenhum dos dois é popular entre puxa-sacos. Dilma resistiu ao toma lá dá cá dos aspones que mamam nas tetas públicas. Acabou torpedeada de tudo que é lado. Nem ao anunciar o “Brasil sem miséria”, mais um programa para retirar milhões de brasileiros da pobreza extrema, Dilma sorriu de maneira convincente.
Foi embaraçoso ver Lula irromper de seu pseudodescanso para resgatar Dilma do isolamento. Um carimbo de desconfiança, permitido por ela. Perder seu braço direito em menos de seis meses de governo, ficar refém de Michel Temer e ser obrigada a reinventar seu temperamento para governar sem solavancos não faz bem à saúde. Mas pode tornar Dilma mais hábil. Quem sabe a saída de Palocci leve a mídia a investigar a multiplicação sonegada de patrimônio de vários chefões e chefinhos? O pepino pode não ser a causa do surto que contaminou o Planalto.
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