Principal antagonista político de Lula, Fernando Henrique Cardoso apressou-se em defendê-lo: "Não endosso isso", disse, na noite passada. Para FHC, Lula não deve ser alvo senão de "solidariedade nesse momento de dificuldade".
Declarou que deseja que o rival "se restabeleça prontamente." Realçou que é imperioso "respeitar a saúde."
Em meio à polêmica, o ministro petê Alexandre Padilha (Saúde) veio à boca do palco para enaltecer a "qualidade" da assistência oncológica provida pelo SUS. Jactou-se de ter elevado em 22% o investimento no combate ao câncer. Em 2010, a pasta da Saúde aplicara R$ 1,8 bilhão. Vai fechar 2011 com R$ 2,2 bilhões.
Em texto veiculado no blog do ministério, Padilha disse que cresce o número de procedimentos oncológicos realizados na rede hospitalar pública. Em 2003, ano inaugural do primeiro reinado de Lula, contabilizaram-se 19,7 milhões de intervenções contra o câncer. Em 2011, estima-se que chegarão a 27,8 milhões.
O número de cirurgias contra o câncer saltou de 67 mil em 2003 para 94 mil em 2011. Curiosamente, Padilha forneceu matéria prima para a campanha ‘Lula no SUS’. Inquirido sobre o tratamento de Lula, a quem serviu como ministro das Relações Institucionais, Padilha falou de “preconceito”.
Referiu-se à reação emocional que o câncer costuma atear nas pessoas. Não falou do 'pé atrás' que levou o ex-chefe a tomar distância dos leitos públicos: “O presidente Lula, que já enfrentou tantos outros preconceitos, da forma como ele está lidando com o tratamento, vai superar mais um preconceito, sobre o cancer. Às vezes, as pessoas têm até medo de falar o nome da doença. O câncer tem cura.”
O ministro voltou a pegar em lanças pelo SUS: “Mais de 2,5 milhões procedimentos para o tratamento de câncer são feitos por mês no Sistema Único de Saúde. São quase 30 milhões de procedimentos por ano. Muitas pessoas estão se tratando de câncer no país e se curando.”
No miolo da notícia que a assessoria de Padilha pendurou no blog da Saúde, anotou-se: “O tratamento ao qual o ex-presidente está sendo submetido também pode ser realizado pela população em geral no SUS.” Será?
O Tribunal de Contas da União realizou inspeção no sistema público de tratamento oncológico. O resultado fulmina o lero-lero do ministro e ajuda a compreender as razões que levam Lula a fugir do SUS.
O TCU reforçou um diagnóstico conhecido: no SUS, o tratamento de câncer chega tarde e é ineficiente. Verificou-se que, em 2010, pelo menos 58 mil pacientes pobres foram privados de sessões de radioterapia na rede pública. Cerca de 80 mil pessoas deixaram de realizar cirurgias oncológicas requeridas pelos médicos.
Nos hospitais públicos, a fila da quimioterapia sujeitou a clientela a uma espera média de 76 dias. Apenas 35% dos pacientes foram atendidos no prazo mínimo estipulado pelo Ministério da Saúde: 30 dias. Na fila da radioterapia, o suplício é maior: espera de 113,4 dias. Registraram-se escassos 16% de atendimentos no primeiro mês pós-diagnóstico.
Conclui o TCU: o SUS "não está suficientemente estruturado para assegurar atenção oncológica adequada para toda a população que dela necessita."
Como se vê, a campanha inaugurada contra Lula na web, além de impiedosa, é injusta. O ex-soberano revela-se um sábio ao socorrer-se no Sírio Libanês. Nenhum brasileiro com a saúde financeira e mental em dia faria diferente.
Ironicamente, deve-se a Lula a inspiração que embala a nefasta cruzada anti-Lula que contagia o cristal líquido dos computadores. Na Presidência, Lula disse que o SUS estava muito próximo da “perfeição”. Ao inaugurar uma unidade de pronto atendimento em Pernambuco, queixou-se de rouquidão. Disse que falaria pouco, para não se tornar o "primeiro paciente" do posto. Na sequência, entregou-se à pilhéria. Declarou que as instalações eram tão convidativas que dava vontade de ficar doente (reveja abaixo).
Já fora do cargo, Lula permitiu-se, de novo, brincar com a mãe de Caetano Veloso, que havia se internado num hospital privado de Salvador para tratar-se de uma crise respiratória. Em visita a dona Canô, Lula disse, entre risos, que ela deveria ter chamado o SAMU, serviço de atendimento emergencial móvel do SUS.
Abalroado pelo câncer, Lula esqueceu a “perfeição” do sistema público. Telefonar para o SAMU? Nem pensar. Melhor correr para o Hospital Sírio Libanês, um dos mais bem aparelhados da América Latina.
Há três meses, Dilma Rousseff, outra paciente ilustre do Sírio, mudou o nome de um hospital público de São Paulo. O Instituto Nacional de Câncer passou a chamar-se José Alencar. Homenagem ao ex-vice-presidente e ex-cliente do mesmo Sírio.
Declarações como as do Lula pré-câncer e gestos como o de Dilma pós-linfoma, combinados à trava que o governo impõe no Congresso ao projeto que regula os investimentos no SUS, movem a turba da internet. A rapaziada sente-se como que autorizada a gritar: “Se é tão bom, se beira a 'perfeição', se serve de pretexto para homenagear o Alencar, queremos o Lula no SUS!” (Josias de Souza)
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