“Tem um papel ter um candidato negro numa cidade de maioria de população negra. Tem um papel ter dread, ou ser rasta, como se costuma falar no popular”. O candidato do PSOL a prefeito de Feira de Santana, Jhonatas Monteiro, 28 anos, mestre em História pela UEFS e professor da rede pública, quer buscar a identificação com o eleitorado que não gosta de política nem dos políticos de paletó e gravata. Segundo o candidato, o partido pretende colocar no debate eleitoral temas que não recebem espaço, porque as demais candidaturas estão comprometidas com seus financiadores.
Entrevista por Glauco Wanderley
Publicada em Tribuna Feirense, sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012, p. 03
Uma das coisas essenciais nas campanhas são os recursos financeiros. Você tem uma idéia de quanto custa uma campanha dos candidatos majoritários?
Chega a milhões, né? Mas não vai ser o nosso caso. A gente ainda não tem uma estimativa. Na verdade esse é um problema. Seria em qualquer partido. Sendo um pequeno, de esquerda, fica um problema mais agudo ainda. A nossa estimativa ainda não foi definida. Isso está condicionado ainda ao número de vereadores.
Que impacto você imagina que o PSOL pode conseguir causar na eleição?
Nossa primeira candidatura a prefeito na cidade tem uma tarefa a cumprir. A gente acha que em Feira de Santana, o debate público é pautado por um conservadorismo muito grande. E o conservadorismo tanto porque são setores sociais e políticos que há muito tempo de alguma forma dominam o cenário mas também uma agenda de questões muito conservadoras. A gente acredita que o enfrentamento de certas questões na cidade é muito central para ser relegado no debate público.
Uma das questões é o transporte público. Tenho tocado nisso em qualquer espaço porque talvez seja um dos pontos mais visíveis, para o conjunto da população. É um problema sentido pelo conjunto, as pessoas se sentem afetadas por isso. Se sentem roubadas pelo valor da passagem, que é absolutamente desproporcional à qualidade do serviço oferecido. Basta comparar com qualquer outra cidade. Aracaju é uma cidade de porte semelhante e lá a frota é de 400 ônibus, enquanto Feira não chega a 200 e o valor da nossa passagem é muito maior.
Isso é um tipo de problema que afeta a maioria da cidade. Qualquer gestor com compromisso democrático deveria tomar esse problema nas mãos e efetivamente colocar no debate público. Mas concretamente não é isso que acontece. Então o primeiro papel que uma candidatura do PSOL tem é levantar um conjunto de questões e fazer com que elas durem no debate político da cidade mesmo após outubro. O PSOL se propõe a ser um mobilizador de amplos setores da sociedade brasileira.
O que vocês propõem como solução para o transporte?
Recalcular a tarifa, o que passa por uma nova planilha de custos. É visível que a planilha de custos atual não corresponde à realidade. Isto é comprovado. A UEFS instituiu um grupo de trabalho para analisar essa questão do transporte e a primeira conclusão, mais evidente, é isso. Os custos são calculados com base em uma planilha que utiliza critérios de 1982. É uma planilha do Geipot (Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, órgão do Ministério dos Transportes, extinto em fevereiro de 2002). Um ônibus de 82 rendia com um litro de diesel muito menos do que rende hoje. Se você usa o cálculo de 82, claro que o custo da tarifa vai ser mais alto.
Outro ponto seria redesenhar o sistema, que é pensado em um tipo de mobilidade que é basicamente CENTRO-BAIRRO. Não há uma estrutura de linhas que garantam a circularidade nos bairros. Um outro ponto seria uma integração de verdade, tanto entre as linhas de ônibus quanto do sistema complementar, porque na prática as vans operam nas linhas mais vantajosas, que levam ao centro, mas uma série de áreas da cidade são descobertas. Uma parte do sistema complementar não tem nem articulação com os terminais de ônibus.
O senhor reconhece que houve avanços na área da Saúde?
A gestão atual insiste em que houve uma melhoria, mas na nossa avaliação isso é conversa fiada. Basta ver que a cobertura da Atenção Básica é apenas um pouco acima de 50% e com o agravante que o principal problema continua sem solução, que é a Média Complexidade. Justamente a questão de fazer um exame ou consulta com um especialista. Vá a um posto de saúde e veja quando, em quanto tempo, a regulação vai lhe encaminhar para um exame, qualquer que seja. E a gente sabe que doença não espera. Em Feira de Santana, nos últimos anos, o tipo de clínica que mais cresceu foram as chamadas clínicas populares. Basta ir no centro da cidade e perceber. Se a Média Complexidade na saúde pública funcionasse bem, ninguém precisaria de uma clínica popular.
Como vocês analisam a questão da habitação?
Feira de Santana tem um crescimento acelerado. Portanto, há um papel central na discussão sobre desenvolvimento urbano. Ao mesmo tempo que cresce em ritmo acelerado, como parte de uma tendência nacional das cidades médias, nós temos ausência de planejamento urbano. O Plano Diretor foi embargado no governo de José Ronaldo, porque descumpriu todos os critérios de participação da sociedade. Então vivemos uma situação onde construtoras, imobiliárias e grupos empresariais que atuam no ramo da construção trabalham com a política de “fato consumado”. Há um vetor de crescimento. No entanto, isso foi discutido com quem? Quem disse que é o melhor para a cidade? Com base em que critérios e que prioridades? Se não foi discutido de maneira pública, foi às escondidas em algum gabinete, com base em informação privilegiada para algum setor. Isso faz com que o crescimento da cidade esteja sob controle de uma minoria. Basta ver o que é Salvador e perceber quanto é nocivo uma minoria controlar os rumos do crescimento urbano e quanto isso precariza para a maioria, que tem que se virar fora das áreas de interesse do capital imobiliário.
Em Feira a gente observa que em áreas centrais da cidade há um conjunto de espaços ociosos, que são mantidos para especulação imobiliária, enquanto a cidade se expande, muito além da capacidade da infraestrutura. Basta ir nos bairros mais afastados do Centro para perceber.
Atualmente nenhum outro partido representa os interesses da maioria da população?
Concretamente não. Não no sentido de entender que mais do que discutir interesses que a gente julga que seriam da maioria, é acionar essa maioria para participar do processo de discussão e deliberação. Basta ver o caso do PT. Uma parte considerável da militância do PSOL veio do Partido dos Trabalhadores, eu mesmo fui da militância de base do PT. A proposta histórica do PT era não só reformar problemas dos brasileiros mas resolver aqueles que eram possíveis e dependiam de vontade política. Se nós observarmos por exemplo o que foi o programa do PT apresentado para Feira na última eleição, vamos ter claro que essa perspectiva foi abandonada. A função do PSOL é justamente propor o diferente e tentar lidar com esse ceticismo. Quantas pessoas hoje da minha categoria, dos professores, estão desesperançadas. Um dos grandes problemas do nosso sistema político é isso. Mas é conveniente para a minoria que controla as coisas. Quanto menos pessoas se interessam, melhor para quem quer viabilizar seus interesses particulares.
Sem dinheiro para a campanha é possível convencer o eleitorado?
Nosso desafio é criar um tipo de linguagem que se diferencie das demais. Temos condição e competência para isso. Temos que apresentar proposições que efetivamente sejam extraordinárias, no sentido de se diferenciarem da mesmice. Talvez não ter dinheiro nos ajude a não ter comprometimento com os financiadores das campanhas, como acontece com as demais candidaturas. Como alguém vai criticar o fato das construtoras fazerem o que querem com a cidade se as empreiteiras são as maiores financiadoras? Quem vai criticar o transporte coletivo, se é financiado pelo empresariado do transporte? Quem vai combater a privatização por dentro ou por fora do sistema de saúde se tem relação direta com as cooperativas privadas que operam o sistema, com as clínicas particulares que vampirizam o sistema?
Você é totalmente diferente do padrão do político de paletó e gravata. Vai se apresentar assim ao eleitor? Vocês buscam uma identificação das pessoas com o candidato?
A escolha do partido para que eu assumisse esse papel passou por isso. Os elementos de identidade têm um papel a cumprir dentro do processo eleitoral. Tem um papel ter um candidato negro numa cidade de maioria de população negra. Tem um papel ter dread, ou ser rasta, como se costuma falar no popular. Tem um papel de diálogo com determinados segmentos que efetivamente não olham para a política, em muitos casos porque não se identificam. Não só com minha candidatura, mas com o conjunto dos partidos. O partido nacionalmente toca sem medo em temas espinhosos. Lida com candidatos de perfil diferente. O nosso candidato a presidente tinha 86 anos (Plínio Sampaio). Nossa primeira candidata a presidente (Heloísa Helena) era uma mulher. Discutimos por exemplo o combate à homofobia, com o deputado Jean Willys. No Rio de Janeiro enfrentamos o tema das milícias. Isso nos diferencia das outras candidaturas. Nossa aposta é que em Feira tem um conjunto de pessoas, que não é pequeno, que é descontente com os rumos que a política da cidade tem há anos. É com essas pessoas que a gente tem uma prioridade de diálogo. O papel do PSOL é de referência. Questões que nosso candidato Plínio levantou continuam repercutindo mesmo depois do processo eleitoral e se tornaram programa de uma série segmentos sociais.
O que o PSOL propõe para a Educação?
Todo mundo diz que é prioridade. Mas é prioridade de gogó. A gente vê se é prioridade na prática pelo Orçamento. A dita prioridade e a revolução digital da educação, que o prefeito propagandeia, não corresponde à realidade da imensa maioria das escolas da rede. E as condições técnicas não são garantidas para que tudo funcione no conjunto da rede. Para que se tenha boa educação, precisa ter boas condições para o trabalho docente. Um plano de carreira, o que tem sido a queda de braço com a administração nos últimos anos com o governo. Foi destruído na gestão de José Ronaldo e a prefeitura atual não encaminha.
O que é prioritário? A construção de viadutos ou o investimento em Educação? Parte desses recursos poderiam ser muito bem movidos para a Educação. Tinha que haver orçamento participativo, mas não a conversa fiada de algumas gestões que se dizem democráticas e populares, mas onde na prática o montante participativo é 10% do total do orçamento. Não há como me convencer que não tem dinheiro suficiente para implementar um plano de carreira que efetivamente valorize o professorado. Ou para investimento maciço na estrutura das escolas.
Quanto um professor deveria ganhar para ser considerado valorizado?
O drama do professor é que o trabalho dele o acompanha para casa. No geral as remunerações nas diferentes esferas só contam o trabalho em sala de aula. A inventividade, o envolvimento com a escola, que se cobra, acho que faz parte do papel que o professor tem que cumprir. Mas para isso é necessário condições. Como pode fazer isso, se para que ele tenha acesso a coisas mínimas, como casa e transporte, precisa trabalhar em três lugares diferentes, dando 60 horas aula por semana? Para não ter 60 horas, ele teria que ser remunerado de maneira que possa dar conta de suas necessidades.
Há uma polêmica sobre o Piso Nacional do Magistério, que ainda não vigora em muitas partes do país. A luta tem sido pelo Piso, não pelo teto. As prefeituras se vangloriam de pagar o piso, como em Feira. Pouco mais de mil reais para 40 horas. Esse é o problema. A gente tende a pensar as políticas sempre a partir do mínimo. Acho que é possível muito mais do que o Piso.
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